Há muitos anos um engenheiro brasileiro que morava na Inglaterra voltou ao Brasil para trabalhar na City, firma inglesa que naquela época era responsável pelas águas e esgotos da Cidade Maravilhosa. A história acabaria por aqui, quando mal começava, se o coração desse jovem engenheiro, prematuramente, não tivesse dado sinais de cansaço e, a conselho médico, tivesse ele se mudado do Rio para a Fazenda São José do Ribeirão e Magé, que pertencia à família de sua esposa e que ficava na ainda pouco conhecida região de Itaipava.
Enquanto isso, passeando pelo mesmo Rio de Janeiro de outros tempos, um ceramista francês, em visita ao museu de São Cristóvão, se encantou com as peças marajoaras e, tomado de entusiasmo pelas formas harmoniosas dos vasos, pelo ritmo das ornamentações e pela composição das cores, resolveu se estabelecer no Brasil para se dedicar mais profundamente à pesquisa dessa arte.
Como o destino, quando está de bom humor, sabe dar o seu jeitinho, esses dois cidadãos se encontraram e, juntos, deram início, no ano de 1926, à Cerâmica Itaipava. Eram eles, Alberto Augusto da Costa, paraense de nascença e, por gosto e força da raça, também apaixonado pela arte originária da Ilha de Marajó, e Henry Gonot, discípulo e colaborador do famoso ceramista Lachenal.
Mesmo modesta nas suas primeiras instalações (eram apenas dois fornos que serviam à olaria que já funcionava na fazenda) a Cerâmica Itaipava logo se tornou conhecida.
Em uma matéria publicada em 1930 pela extinta revista O Cruzeiro, a Cerâmica ganha duas páginas, cheias de fotos, e é descrita como uma interessante e ousada empreitada no mundo das artes: “A fábrica de S. José não produz apenas vasos e pratos no estylo de marajó, mas grande variedade de ceramica de arte: fontes, bustos, paineis de azulejos, estatuetas. Em todos nota-se o bom gosto orientado no sentido da brasilidade, inspirando-se no que é caracteristicamente brasileiro: flora, fauna e humanidade”.
Além das peças criadas por Gonot, a Cerâmica Itaipava teve a contribuição de outros artistas que, convidados por Alberto Costa a passar temporadas na fazenda, enriqueceram o trabalho de criação diversificando assim os produtos e reforçando a proposta de se fazer uma cerâmica artística. Entre os muito que colaboraram estavam o russo Albert Shilde e o alemão Marx Grossman.
Novas técnicas também foram sendo testadas e algumas tornaram-se marca registrada de Gonot como, por exemplo, o coule, uma mistura de várias cores de verniz, derretido e escorrido. Outra grande novidade foi o aproveitamento do craquele, que é um defeito causado por uma diferença de contração entre o barro e o verniz, como motivo artístico. As rachaduras que apareciam no verniz eram preenchidas por uma massa preta, criando assim um efeito diferente, dando à peça uma aparência envelhecida.
O sucesso da pioneira Cerâmica Itaipava trouxe fama à região. Com o passar dos anos foram chegando outros ceramistas, como o português Luiz Salvador, que aqui se instalou em 1952 trazendo na bagagem a arte da cerâmica de Alcobaça, sua cidade natal.
A mão de obra especializada também foi crescendo e vários desses artesãos abriram suas próprias cerâmicas fazendo com que Itaipava, durante muitos anos fosse uma referência importante dessa arte.
Engana-se quem pensa que Itaipava virou um polo de ceramistas por generosidade da mãe natureza. Pelo contrário, a matéria prima encontrada por aqui não era, de forma alguma, um fator que facilitasse a vida dos artistas. O barro de que dispunham na região era muito rico em sílica, substancia mineral abundante na crosta terrestre, mas pouco apropriada para a confecção de peças de cerâmica mais delicadas. Era, enfim, uma luta contínua dos ceramistas contra a matéria rebelde. Até que, cansados da batalha, começaram a importar barro mais apropriado do interior das Minas Gerais.
Em algum momento dessa história, não se sabe a data precisa, Alberto Costa retornou ao Rio, voltando a trabalhar como engenheiro na City. Os filhos crescidos precisavam estudar e os lucros da cerâmica não eram suficientes para sustentar a família fora da fazenda. A Cerâmica Itaipava foi arrendada à Gonot que, mais tarde, quando a Fazenda São José foi loteada, adquiriu um pedaço de terra e transferiu a cerâmica para o prédio onde hoje funciona a academia de ginástica Aeróbica. As antigas instalações da Cerâmica Itaipava e da fazenda foram derrubadas quando, durante o regime militar, construíram a estrada BR040.
Texto de Denise Tati, gentilmente fornecido por Celina Prates
Imagens:
Cerâmica ItaipavaAcervo da Cerâmica Luiz Salvador